terça-feira, 14 de agosto de 2018

Posse Acadêmica de MARIA INÊS DE MORAES MARRECO na Amulmig










A Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Casa de São Francisco de Assis, empossou no seu quadro de associados, no dia 04 de agosto de 2018,                                                                                           
                Maria Inês de Moraes Marreco,                
professora, doutora em Literaturas de Língua Portuguesa, escritora, ensaísta e crítica literária, idealizadora e gestora do Centro Cultural IDEA, representante do Município de Vitória/ES, com assento na Cadeira nº 333, Seção X – Erudição, sendo seu Patrono Padre José de Anchieta. Foi recebida e saudada pela Acadêmica Elisabeth Fernandes Rennó de Castro Santos, representante do Município de Carmo de Minas/MG.
A sessão solene de posse com tradicional cerimonial foi, nesta data, conduzida pela Acadêmica Maria Inês Chaves de Andrade. À mesa de honra tomaram assento o presidente da Amulmig César Pereira Vanucci, a acadêmica Marilene Guzella Martins Lemos, presidente da Arcádia de Minas Gerais e das Amigas da Cultura, o presidente emérito Luiz Carlos Abritta, também presidente da Academia de Letras do Ministério Público de Minas Gerais, a presidente do Conselho Superior e presidente emérita da Amulmig Elizabeth Rennó, atual presidente da Academia Mineira de Letras, recipiendária da neoacadêmica Maria Inês de Moraes Marreco que foi conduzida à mesa pelo acadêmico João Quintino Silva, desembargador e pelas acadêmicas Maria de Lourdes Rabello Villares e Angela Togeiro. A solenidade contou com os discursos de Elizabeth Rennó e da nova acadêmica apresentando seu município e o panegírico ao seu patrono, transcritos a seguir. Houve ainda fala da neoacadêmica Raquel Virgínia Rocha Vilela sobre a empossanda, a tradicional Chamada Acadêmica para saudar a nova acadêmica, seu Município e Patrono. O encerramento se deu com discurso do Presidente Vanucci.

                                                                                                                                                                                     
Saudação a Maria Inês Marreco
Posse na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais
Elizabeth Rennó

            Honrosa tarefa esta a de saudar a escritora e professora Maria  Inês Marreco em sua entrada na Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais.
            Honrosa e difícil quando se aquilata a grandeza literária e humana que a ilumina.
            Nossa Academia sente-se prestigiada com esta posse.
            Maria Inês é expoente de um viver consciente literário e laborioso coroado pela capacidade de ação e desempenho das funções significativas que exerce.
            O escritor, homem ou mulher, dialoga com a palavra e com a criatividade silenciosa que o rodeia, sob signos e símbolos da imaginação.
            Daí a importância do silêncio na criação de uma obra de arte. Ideias afloram do mais íntimo do ser e se concretizam pela Palavra, concretude que abrange o todo sensitivo.
            Maria Inês é a artífice da Palavra plena, estudada, burilada, expressividade do seu fazer literário denso e  profundo. Ela escuta o silêncio. E ele a contempla com sussurros de encantamento.
            Com a Palavra utilizada em sua pureza e correção, as Academias são sustentadas nas suas realizações, na ascensão de uma força e de um patamar que as caracterizam, coroadas pelas vozes do construir criativo. Como visão mágica do mundo a Palavra reúne o encantamento verbal e imagético, em busca da plenitude.  
O ingresso de um novo membro ao quadro acadêmico, além de revigorar a entidade pelo conhecimento que lhe é trazido, representa a esperança de continuidade para o labor literário, encarnação da imortalidade, na preservação de sua memória histórica.
O papel de uma Academia de Letras é conquistar e propiciar
a visão global da vida adquirida por suas promoções culturais, palestras, seminários, publicações, encimado pela dignidade humana, acima da vulgaridade e da repetição.
            Pela visão crítica e pela reflexão persegue-se um pensar mais  profundo.
            Este foi o pensamento de Alfredo Marques Viana de Góes ao fundar, junto a um grupo de intelectuais mineiros, a Academia Municipalista de Letras há cinquenta e cinco anos, marco primeiro de um mister literário, na amplidão que se compõe de vários municípios de Minas Gerais, de estados brasileiros e do exterior.
            Este é o objetivo da nossa Municipalista: seguir as pegadas de seu fundador nos caminhos da Literatura, do Humanismo, da Cordialidade, fazendo de nossa entidade templo de luz e trabalho.
Nossa Neoacadêmica Maria Inês Marreco possui belo e amplo currículo, cujo conteúdo traduz capacidade e sabedoria.
Mestre em Literaturas de Língua Portuguesa, 2005, PUC-Minas. Dissertação: A errância infatigável da palavra na obra de  Nélida Piñon;
Doutorado em Literaturas de Língua Portuguesa, 2011, PUC-Minas. Tese: Visões caleidoscópicas da memória em Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon;
Doutorado em Literatura Brasileira, 2014, UFMG. Tese: Para aplacar uma grande saudade: estudo da obra memorialística de Maria Helena Cardoso.
             Professora no ensino médio, fundamental, graduação e pós-graduação. Atua nas áreas de Literatura Brasileira e Literatura Comparada.
            Pesquisadora da UFMG, pertence ao Grupo de Pesquisa Letras de Minas, desde 2006.
            Fundadora e presidente da IDEA Casa de Cultura em Belo Horizonte, presidente e revisora da editora IDEA.
            A criação e o funcionamento de IDEA ampliaram o ambiente cultural de Belo Horizonte, com realizações e apresentações de grande valor literário e artístico.
            Maria Inês possui vários livros publicados; grande é o número de Antologias de que participa e organiza com trabalhos de grande valia.
            Com este rico cabedal, organizou e apresentou trabalhos, coordenou mesas e proferiu palestras em seminários, congressos nacionais e internacionais em vários eventos ligados à literatura.
            Participou de Bancas de Mestrado e Doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais, na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e na Universidade Estadual de São Paulo.
            Presidente Emérita da Academia Feminina Mineira de Letras,
Sócia efetiva da Arcádia de Minas Gerais e do Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais.  
            Livros Publicados;
A errância infatigável da palavra, 2007;
Linhas Cruzadas: literatura, arte, gênero e etnicidade, 2011;
Escritoras de ontem e de hoje- antologia, 2012;
Visões caleidoscópicas da memória, 2013;
Para aplacar uma grande saudade, 2015
Mulheres desdobráveis, 2016; ( org.)
Memorialismo e resistência: estudos sobre Carolina Maria de Jesus, 2016; (org.)
As matrizes do fabulário Ibero-Americano, 2016; (org.)

            Pelo conjunto de sua obra e suas atividades literárias, recebeu entre outras, as
Medalha da Inconfidência,  Governo do Estado de Minas Gerais;
Medalha das Gerais- Medalha Maria da Cruz,  Governo do Estado de Minas Gerais;
Medalha Israel Pinheiro, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais;               
Medalha João Pinheiro da Silva, Instituto Histórico e Geográfico de Minas Gerais;
Medalha Claudio Manoel da Costa, Arcádia de Minas Gerais;
Medalha de Ouro da Turma do Curso de Letras, PUC Minas;

Distinções e Prêmios:
Honra ao Mérito, Rotary Club de Belo Horizonte;
Presidente Emérita da Academia Feminina Mineira de Letras;
Destaque Acadêmico do Curso de Letras, PUC Minas;
Honra ao Mérito-Ano Brasil-Portugal, Agora, Clube Brasileiro da Língua Portuguesa;
1º Prêmio: Concurso Euclides da Cunha, Academia Carioca de Letras;
Menção Honrosa no Concurso Ciclo Machadiano, Academia Carioca de Letras.
            Maria Inês Moraes Marreco, a convite de Nélida Piñon, escritora consagrada, ex-Presidente da Academia Brasileira de Letras, exerceu o magistério e suas extensões na Universidade Estadual de São Paulo.
            Dedicando-se a este mister quase divino, o exercício do ensinar e o repasse do conhecimento, volta-se o mestre para incrementar a promoção humana, orientando o discípulo para vivência consciente e produtiva.
            O Professor, bem como o escritor, domina a plenitude da Palavra, podendo mudar as etapas caóticas do comportamento, introduzindo, nas lições que ministra, o incentivo para o aprimoramento espiritual, da formação ética e responsável.
            A educação, conforme Paulo Freire, só pode ser encarada como um fazer humano.  Este é o sentimento humanístico que ascende à posição reflexiva e crítica, tanto do educador quanto do educando.
             Os verdadeiros educados, na acepção de Cecília Meireles, mestre e poeta, são os que sabem, os que creem, os que agindo conservam-se puros e belos exemplos, os que não vergam, os que  não mentem, os que não temem.    
            A Palavra, mais que o ensinamento formal, pelo caráter de arquipotência, dá origem ao ser integral e ao acontecer.
            Que a nossa Palavra, instrumental primeiro do escritor e do professor, esteja voltada para as exigências do corpo e do espírito, na acepção tomista de que o ser é composto de corpo e alma.
             A escritura deste século é ainda a do fim do século passado, não tem começo, busca a intersecção dos tempos: é o presente pela releitura, é sempre um recomeço e uma reprodução.  
             Em tempos tumultuados como os que vivemos, a virtude, a educação dos espíritos, o cultivo das artes são substituídos pela força indiferente à perda do sentimento do tempo.
            Os novos tempos impõem o questionamento às ideias que surgem desordenadamente na revolução dos costumes.
            Esta é a tarefa ingente que pesa sobre os ombros do educador: como oleiro, criar por suas mãos, o indivíduo responsável, através do barro modelado pela Palavra.
            As guerras, segundo as palavras de Spengler, citadas pela Condessa de Campo Alegre em La secreta guerra de los sexos (Madrid, 1948), representam para a mulher hora de projeção, pela necessidade de exercer ação substitutiva do homem. O resultado é expresso pela incorporação intelectual, cívica e econômica ao tecido social.
            Jung considera: a mulher do presente empreende uma formidável tarefa cultural, que é o começo de uma nova época, em A mulher na Europa ( Realidad del alma).
            Segundo Julián Marías, em A Mulher no século XX, tanto a mulher como o homem perguntam por si mesmos. Não de maneira isolada, mas em referência conjunta, o elemento feminino a par com o masculino. Sabia-se o que era ser mulher, com padrões exemplares e leis subjugadoras.
            Ainda com Spencer temos: O homem faz a história, a mulher é a história.
            A maternidade produz um sentimento profundo, unindo a mulher à terra; é frutífera, pelo mistério da criação é como a árvore sujeita ao chamamento da Primavera.
             Frobenius, em A Cultura como Ser Vivente, analisa a forma matriarcal ligada a uma cultura telúrica e a patriarcal à tectônica.
            Convencionou-se classificar o homem como ser objetivo, a mulher, subjetiva.
            Será este o critério para o século XXI que vivemos?
            A mulher que escreve já não se refere a si mesma. Incorpora-se ao universo masculino com ideias objetivas.
            Em O segundo sexo, livro revolucionário surgido em 1949, de autoria de Simone de Beauvoir, diz que o eterno feminino era sinônimo de alma negra, consequente a uma situação de inferioridade.
            Assim, a mulher não era considerada pelo homem como um ser autônomo, mas apenas um elemento do mundo masculino; ela era um Outro. Esta ideia aparece nas consciências mais primitivas da humanidade.
            Hoje, no entanto, apesar do apoio de ideias e conquistas diversas, a mulher assume, timidamente, papel coletivo e participante no próprio mundo feminino.
            Há um processo de mudança, livra-se ela de peias e epítetos, de lugar marcado na aventura maravilhosa de se descobrir ser. Na sua voz própria, no seu escrever independente, na sua transformação consoante com o mundo em mutação, a mulher é.
            Inicia sua escalada com valores de capacidade, construção e dignidade. Um dos meios de que dispõe é a ação eficiente que se faz presença nas empresas, nas artes, na ciência, na literatura.
            A mulher escritora possui dupla função, a criação da palavra e a criação de si própria. Encarna a Palavra, origem e formação da Arte.  Sua verdade está na expressividade das coisas belas e faz fortificar o desejo de ir além, testemunho de ação e propagação do valor humano.
            Vencendo a dominação patriarcal da Idade Média, idade das trevas, passando pelo Renascimento, alcançando o Império Romano, num crescendo até a contemporaneidade, reconhecemos o valor pioneiro de escritoras de vários estados brasileiros, ressaltando os versos de Marília de Dirceu e Bárbara Heliodora; das primeiras mulheres formadas em Medicina no Brasil,  Maria Augusta Generosa Estrela que impossibilitada  de fazer seus estudos aqui, seguiu para os Estados Unidos. O Imperador Dom Pedro II concedeu-lhe uma bolsa de estudos, a primeira doada  a uma mulher,  gerando a possibilidade de sua atuação no país;  Mirtes Campos e Maria Augusta Saraiva, formadas em Direito, em 1898, somente conseguiram seu reconhecimento profissional em 1906; Francisca Senhorinha, em Campanha, sul de Minas, em 1873, criou o jornal O Sexo Feminino, desbravando horizontes para o tradicional papel da mulher.   
            Admira-se o gênio administrativo e diplomático de Theresa May, primeira-ministra da Inglaterra; Rosaly Lopes, brasileira, gerente de Ciência Planetária do Laboratório de Propulsão a Jato da NASA e primeira editora-chefe da revista especializada Ícarus; Alamanda Kfouri Pereira, obstetra, que, quebrando a hegemonia masculina de 107 anos na direção da Faculdade de Medicina da UFMG, é sua vice-diretora; Sandra Regina Goulart Almeida ocupa o cargo de reitora da UFMG, uma das mais importantes universidades do país, em 90 anos de História.
            Queremos lembrar a coragem e a determinação de uma menina, a ativista paquistanesa Malala Yousafsai, vencedora do Prêmio Nobel de 2014, por sua luta em defesa da educação das meninas de seu país, quando contava apenas 15 anos de idade, cuja atitude quase lhe custou a vida.
            Kolinda Grobar-Kitarovic, a primeira mulher a exercer a Presidência da Croácia, pequeno pais problemático, envolvido em guerras étnicas. Comparecendo à Copa do Mundo, recentemente na Rússia, assistiu às partidas eliminatórias de sua terra, pagando as passagens para este evento em voo comercial, descontando de seu salário os dias em que deixou de trabalhar. Sua presença incentivou o desempenho do time, chamando a atenção da imprensa mundial.   
            Exemplos não nos faltam, através dos tempos, a mulher rompendo as amarras de uma passividade que a encastelava, vai em busca de um destino construtor.
            Ao imprimir sua marca na construção de um mundo novo, junto à modernidade em que vive, frutifica o poder das ideias e da ética em seu trabalho diversificado.
            Assim nos dias de hoje, no século XXI, destacam-se as múltiplas funções em que militam as mulheres.
            As obras literárias, poesia ou prosa, as que tratam de economia ou ciências elaboradas pela pena feminina, representam escritoras que tecem as palavras, sem a marca de uma diferenciação do estilo masculino. Já não se diferenciam em sua escrita amena ou bravia.
            Possuímos grandes nomes que enaltecem a Cultura, presentes nas academias e instituições diversas, plêiades de mulheres dedicadas ao estudo, às pesquisas, construindo o edifício alicerçado pela capacidade que possuem.    
            Estes exemplos foram arrolados aleatoriamente entre muitos que são característicos da mulher moderna, figuras femininas que se destacam e se destacaram em vários setores fundamentais de uma nação.
            As mulheres que não se profissionalizaram, em variadas épocas, foram partícipes da sociedade humana, mães enfrentando dissidências, humilhadas e oprimidas muitas vezes, como construtoras de uma nação.
            Inseridas, em sua condição mítica, a mulher coloca no seu verso ou na sua prosa, a sementeira da Verdade, propiciando a colheita generosa, frutificada na ascensão de seus filhos.
            Esta Verdade adjacente a um poder criador passa a ser a grande tarefa que pesa sobre os ombros da mulher escritora, principalmente a que se filia a uma Academia de Letras.
            As mulheres do terceiro milênio vivem momentos de ascensão bem diferentes do ocorrido séculos atrás. Podem colocar em seus escritos o que lhe dita a alma sem temer censuras ou repúdios.
            Mulheres múltiplas, mães, esposas, esteio familiar, conscientes do valor que lhes vem pela competência em sua missão educativa, literária, humanitária, dignificam a essência feminina pela sabedoria, pela discrição, pelo conhecimento e ânsia de perseverarem em ambiente favorecido pelo estudo e pelo esforço de trabalho.
É disso que precisamos, Mulheres fortes, pela dignidade e fortaleza, exemplos de fé e de coragem no cumprimento sagrado dos deveres que coroam a sua vivência cristã.
Maria Inês abrace esta sua carreira intelectual em plenitude e contínua progressão, certa de que viveremos dias mais compensadores.
            A humanidade tende a se cristianizar, esta é a nossa esperança.
A acolhida que lhe faz a Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais representa a posse de um bem precioso, a presença que fará brilhar o nosso espaço.
            Rejubilados com esta conquista, certamente estarão Giovana, Juliana e Rosana, suas filhas, e Laura, Bruna, Felipe e Rafaello, seus netos, junto a nós.




                                                                                                                                                                                     


DISCURSO DE POSSE DE MARIA INÊS DE MORAES MARRECO NA ACADEMIA MUNICIPALISTA DE LETRAS DE MINAS GERAIS-
 AMULMIG
04/08/2018

A história é um patrimônio universal, um sustentáculo para o convício humano, que dela depende para seguirmos interessados nos vivos e nos mortos.
Como confiar na eficiência de qualquer relato se os rastros que deixamos, como se fossem farelos, são prontamente tragados pelos pássaros de São Francisco?
É imprescindível que se arregimentem as vozes do passado e seus valores para a proclamação e a permanência da escrita. Que cada um de nós se esmere para evitar a fugacidade e a ação dilapidadora do tempo. Que o passado, recente ou longínquo, seja avivado, resguardado e que sejam registrados, pela escrita, nossas lendas, nossos sonhos e nossas utopias, assegurando nossas culturas e a condição daqueles que nos precederam.
Temos obrigação de investir no futuro, de impedir que nossas histórias sejam esquecidas pela pressa do cotidiano atribulado e negligente.
Consagremos os fundamentos de uma literatura que, ao entretecer mitos arcaicos e contemporâneos, se volte para um futuro sob a égide da modernidade, do desenvolvimento da tecnologia, independente da indiferença das classes dominantes.
Que a função da literatura seja ressaltada tendo como objectivo primordial a criação do discurso imparcial, enfrentando sem medo as diversas faces da realidade, da verdade e da mentira, respeitando crenças e mitos coletivos.
Façamos, pois, como os incas, que cientes da chegada dos espanhóis, confiantes na infalibilidade humana, na certeza de que o esquecimento era tão perigoso quanto as armas inimigas e de que não poderiam viver sem uma memória ativa, criaram os amautas, categoria social encarregada de relembrar os feitos do império. Assim, tendo na memória, guardiã e arauto de sua história, vinculando-a à capacidade do povo de perdurar como uma espécie de assunto de segurança nacional, nunca desconsideraram os acervos provenientes de outros países.
Assim, o futuro é o que estamos fazendo hoje, poeticamente falando, somos seus fundadores e reflexos do passado numa modelagem significativa da consciência do presente e do olhar rumo ao horizonte.
A história da nossa aldeia não deve ser menos importante que a história do nosso país, mesmo porque, uma não substitui a outra. Um povo que ignora seus antepassados desconhece os fatos mais importantes de sua história pátria e a história de um povo é o registro da incomparável energia que suas infinitas aspirações infundem no coração dos homens.
Pensando pois nesta premissa apresento-lhes o município de Vitória, no Espírito Santo, que ora passo a representar nesta casa, sem as pretensões de historiador.
No dia 1o. de junho de 1534, el rei D. João III passou à Vasco Fernandes Coutinho a carta de doação da capitania do Espírito Santo, que, no dia 23 de maio de 1535 o habilitou a desembarcar na província e fundou Vila Velha, até então a capital da capitania. O nome de Espírito Santo é dado à terra em comemoração do dia em que a Igreja festejava uma das três pessoas da Trindade.
No século XVI, quando os primeiros colonizadores portugueses chegaram à essa região da atual Vitória, ela era disputada por três grupos indígenas: os goitacás (do sul), os aimorés (do interior) e os tupiniquins (do norte).
Em 1551, devido aos constantes ataques indígenas, franceses e holandeses, os portugueses decidiram transferir a capital para a ilha de Santo Antônio, na Baia de Vitória, que era chamada Ilha de Guanaani, depois, ilha de Duarte Lemos,  a seguir Vila Nova do Espírito Santo, e, finalmente, Vitória. Nome dado por causa da vitória que os habitantes tiveram depois de renhido combate contra os indígenas, em 8 de setembro do mesmo ano.
A vila de Vitória foi elevada a cidade entre 1823 e 1829, não se sabe com exatidão a data. Em 1941 surgiu o primeiro cais na capital e em 1927 a primeira ponte que ligou a ilha ao continente. Em 1970, o porto de Vitória – Porto do Tubarão, tornou-se um dos mais importantes do país.
Hoje a capital do Estado do Espírito Santo tem uma população de 370.000 habitantes, segundo estimativa do IBGE, é a quarta cidade mais populosa do Estado, depois dos municípios limítrofes de sua região metropolitana, a saber: Vila Velha, Serra, Cariacica e Viana, integrando uma metrópole denominada Grande Vitória, com cerca de 2 000 000 de habitantes.
A cidade tem o quinto melhor índice de desenvolvimento humano entre todos os municípios brasileiros. Em 2015 foi considerada pela Organização das Nações Unidas – ONU,  a segunda melhor cidade do Brasil e em 2017 como a terceira capital do país para se viver. Foi eleita também como o melhor capital humano do Brasil, segundo a revista Exame e segundo estudos do Instituto de Longevidade Mongeral Aegon, feito em 2017, a cidade e a nona melhor cidade para envelhecer no país.
Só para encerrar tanta modéstia, cito alguns apelidos que recebemos sobre nossa cidade: Ilha do Mel, Cidade Sol, Capital da beleza, Cidade Ilha, Cidade presépio, dentre outros.
No poliédrico contexto brasileiro, desde as diversas manifestações autóctones ameríndias, moldadas pela imposição cultural do elemento colonizador ibérico, confrontadas com as várias culturas africanas, constituindo-se assim, as bases primordiais da miscigenação étnica e cultural conformadora da nação brasileira – igualmente enriquecida a posteriori de outros eflúvios forâneos, notadamente europeus e orientais do médio e extremo oriente - escritores como José de Alencar debateram questões da nacionalidade no plano da criação literária, com a clareza das temáticas apontadas por Machado de Assis, com destaque para José de Anchieta, natural de Tenerife, e não obstante, considerado o primeiro escritor brasileiro dentre  tantos outros.
Apresento-lhes, assim, um breve relato da vida do Padre José de Anchieta, patrono dessa honrosa cadeira de número 333, que ora passo, orgulhosamente, a ocupar.
José de Anchieta - O "Apóstolo do Brasil", nasceu no dia 19 de março de 1534, em San Cristóbal de La Laguna, em Tenerife, nas Ilhas Canárias, pertencente à Espanha. Filho de João Lopez de Anchieta, fidalgo basco e Mência Dias de Clavijo y Lerena, descendente dos conquistadores de Tenerife.
Aprendeu as primeiras letras em casa e, mais tarde foi para a escola dos dominicanos, de onde, aos 14 anos, em companhia de seu irmão mais velho, foi para Coimbra. Frequentou o Real Colégio das Artes, onde estudou Humanidades e Filosofia. Em 1550, Anchieta candidatou-se ao Colégio da Companhia de Jesus, e em 1551 foi recebido como noviço. Em 1553 foi escolhido para as missões em terras brasileiras. Com um grupo de religiosos, integrou a frota de Duarte da Costa, segundo Governador-Geral do Brasil, enfrentando 65 dias de viagem, chefiados pelo Padre Luís de Grã.
A 13 de julho de 1553 chega ao Brasil o célebre taumaturgo a quem tanto devemos pela catequese e civilização dos índios.
Ao descer na Capitania de São Vicente, Anchieta teve seu primeiro contato com os nativos. A ação dos jesuítas na catequese dos índios se estendia de São Vicente até os campos de Piratininga. José de Anchieta, junto com outros religiosos, com o objetivo de catequizar os índios carijós, subiu a Serra do Mar, rumo ao Planalto, onde se instalou e fundou o Colégio Jesuíta. No dia 24 de janeiro de 1554, dia da conversão do Apóstolo São Paulo, celebrou uma missa, em homenagem ao Santo. Era o início da fundação da cidade de São Paulo. Logo se formou um pequeno povoado. José de Anchieta aprendeu a língua tupi, o que mais tarde lhe permitiu escrever a Gramática Tupi, que seria usada em todas as missões dos jesuítas. Participou da luta para expulsão dos franceses, que em 1555, haviam invadido o Rio de Janeiro e conquistado os índios tamoios. Em abril de 1563 partiu de São Vicente com a missão de paz junto a esse povo.
Na longa missão que durou sete meses a paz havia sido restaurada. Depois de várias lutas, finalmente os franceses foram expulsos no dia 18 de janeiro de 1567.
Em 1577, com 43 anos e 24 passados em terras brasileiras, o Padre José de Anchieta é designado provincial, o mais alto cargo da Companhia de Jesus no Brasil. Com a função de administrar os Colégios Jesuítas do país, viajou para várias cidades, entre elas, Olinda, Reritiba, no Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santos e São Paulo. Foram 10 anos de visitas.
Já doente vai para Reritiba, (hoje Anchieta) aldeia que fundou no Espírito Santo, onde passou seus últimos dias, falecendo no dia 9 de julho de 1597, com 63 anos de idade, 44 vividos no Brasil. Moradores e indígenas acompanhados dos padres da Companhia formaram uma longa procissão a fim de conduzirem seu corpo à Vitória, onde chegaram no fim de dois dias. Mais de 300 indígenas que ele convertera e doutrinara, revezando, carregaram seu corpo às costas até o depositarem na Capela de São Tiago ou Capela dos Jesuítas. Mais tarde, parte dos seus ossos foram transladados para a Igreja do Colégio da Bahia, outros tantos distribuídos por várias capitanias, ficando somente o tíbia depositado na Tesouraria da Fazenda em uma urna de prata.    Foi beatificado pelo Papa João Paulo II e canonizado pelo Papa Francisco, no dia 3 de abril de 2014.
Foi pois, em 1553 que se deu a chegada do padre José de Anchieta ao Brasil, território recém-concebido por Deus; terra que expunha o vazio a ser preenchido pela invenção humana, que, ao cobrar habilidade descritiva, exigia episódios que ganhassem encenação. Colônia, ocupada por florestas, rios caudalosos, inúmeras tribos, necessitava do uso de precários artifícios e ilusão para imitar o mundo.
Anchieta, mesmo ciente da pobreza de recursos, intuiu o surgimento de um sistema social que, apesar de se mostrar menos rígido ou mais desorganizado, se trabalhado, se revelava com indícios de cultura.
Para realizar seu trabalho, o jovem padre decodificou a língua tupi, a língua geral das tribos brasileiras, dominou-a e ensinou ao índio a representar, teatralizar o fenômeno poético em uma língua alheia às raízes latinas, no caso, o tupi. Revolucionou o verbo e apostou na imaginação do sivícula. Acreditou na concretude de um teatro que representasse os frutos da terra, a geografia exuberante, a sacralidade de Deus. À luz do sol, em plena floresta, sobre tablado improvisado, simulou o universo com panos, trapos, assovios, gritos, vento, chuva, trovoadas.
Por ação de Anchieta, o Brasil dá entrada ao mundo do teatro sustentado pela ilusão e pela imaginação. Os índios, ilustrados pela estética religiosa do jesuíta, assumiram o papel do Imperador Valeriano, do verdugo que martirizou São Lourenço na grelha e do pecador acusado de sodomita, angariando da plateia aplausos pela derrota do diabo.
Assim, Anchieta transmitiu aos índios convenções de fundo hebraico, grego, islâmico e romano. Sob pena de ser criticado por impor conceitos próprios em conflito com os autóctones, José de Anchieta não descuidou do prodigioso arco que impunha ao imaginário brasileiro, ainda em formação, sempre atento ao caos linguístico pelo uso simultâneo das línguas tupi, português e castelhano.
Na peça “Na aldeia de Guaraparim”, por exemplo, passada no inferno, Anchieta precisou incutir nos índios a noção simbólica de um lugar que se aplicava a punição eterna. O que fez ele? Elegeu quatro diabos pintados e os acomodou sobre a terra batida, sentando-os junto aos índios.
Dessa forma, insistia em exorcizar o mal, em enumerar os pecados, esquecido dos rituais indígenas.
Porém, seu objetivo era suprimir o comezinho por uma arte ao alcance de todos, que propiciasse, partindo da cosmogonia europeia, indígena e negra, um fabulário mitológico dentro da criação brasileira. Em síntese, o teatro de José de Anchieta é uma raridade para o estudo da história da educação, porque é um acontecimento no Brasil do inicio de sua formação.
Enfim, José de Anchieta, como nenhum outro de sua época penetrou no coração do Brasil. Como primeiro escritor brasileiro, ao longo de 44 anos, até 1597, dominou o alvorecer deste continente, enquanto ia escrevendo na areia os poemas dedicados à Virgem, que as ondas apagavam. Cedeu à posteridade intangíveis recursos e a certeza de sermos personagens de nossa própria história.   
Senhoras e Senhores,
Nesta data passo a pertencer à Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais. É provida de memórias e de emoção que envergo o título de Acadêmica efetiva nesta Instituição. Chego a esta Casa de São Francisco com a incumbência de trabalhar para seu engrandecimento. Eleva-me pertencer a esse núcleo, cuja defesa dos valores civilizatórios, soube manter intacta a tradição que se sabe moderna.
Aqui chego com o sentimento de ser acolhida por aqueles que elegeram o verbo sem cristalizá-lo, sem vergá-lo ante métodos pétreos, imutáveis.
Sou-lhes grata por me permitirem conviver com todos e com cada um.
Agradeço ao Presidente Cesar Vanucci e aos demais acadêmicos que, com generosidade, apoiaram meu nome, considerando-me digna de ocupar assento entre seus pares.
Agradeço à Acadêmica Maria Inês Chaves de Andrade pelas generosas palavras a meu respeito e pelo carinho com que me prestigiou, aceitando incumbir-se do cerimonial desta manhã.
Agradeço em especial, à nobre Presidente Emérita desta casa e atual Presidente da Academia Mineira de Letras, Elizabeth Rennó, pela confiança ao julgar-me merecedora de tal atributo, pelas palavras com as quais me acolhe nesta cerimônia. Não sei como agradecer, exceto que ficarei a lhe dever palavras compatíveis com a gratidão que elas me suscitam. Elizabeth Rennó, Acadêmica por excelência, na vida e na obra, é merecedora de todo meu respeito e admiração, não só pela modelar intelectualidade, como também pela força de mulher, cujo pensamento, fundamentado em sólida formação filosófica e religiosa, abraça amplo horizonte reflexivo. Dona de visão crítica, de justiça e de coragem, pautadas em princípios que não comportam evasivas, palavras escusas ou difusas, sempre em nome dos interesses comuns.
Reparto esta distinção acadêmica com minha filha Juliana, minha neta Bruna e  familiares e amigos, presentes e ausentes. Eles constituem uma grei imperecível em minha lembrança.
                  Obrigada.





fotos cedidas por João Batista